“É o tempo da travessia: e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”
(Fernando Teixeira de Andrade)
Já reparou que nós vivemos um tempo em que somos obrigados a ser felizes? É quase um pecado você ser feio, pobre, gordo, não gostar do que faz, não conseguir se decidir por esta ou aquela profissão.
A felicidade é tão cobiçada porque funciona como uma chave para entrar no mundo dos vencedores, dos que realmente contam. E esses são os modelos a serem perseguidos.
Antigamente nós tínhamos modelos universalmente aceitos como tal. Bastava seguir seus mandamentos e pronto. Hoje não mais. Assim é que, não havendo mais um modelo absoluto que oriente nosso viver, elegemos substitutos: modelos de sucesso, modelos de beleza, modelos de bondade, de justiça, de felicidade... Cada um de nós buscará seu modelo segundo suas próprias neuroses. Esse é um processo inexorável que nos acomete a todos, de modo consciente ou inconsciente. Os gregos clássicos chamavam isso de “mimesis”.
Ocorre que à medida em que nos aproximamos dessas miragens de felicidade, de bem estar, nos afastamos de quem somos realmente (em inglês há um termo que designa claramente esse “quem realmente somos”: Self). E esse afastamento nos causa angustia, nos sentimos frustrados. Se, por um lado, parece que esse nosso Self clama por nossa volta, nos convida a um reencontro, por outro, nosso Ego nos diz que todas as condições de gratificação nos foram dadas, nós é que não fomos capazes de conquistar o objeto de nossos desejos. Em outras palavras, se você ainda não se sente feliz, a culpa é sua.
Nesse momento crucial da vida de todos nós, quase sempre recorremos às drogas, legais ou ilegais. Pensamos que o problema é a angustia que sentimos, quando na verdade a angustia é somente o sintoma. A angústia é constitutiva de nossa condição humana, ela não pode ser evitada. Ao revés do que se pensa, a angustia funciona como um espelho que nos coloca face a face conosco mesmos, com nossas limitações e com nossas próprias condições singulares porque individuais.
Ela – a angustia - é precisamente aquilo que não é marcado por nenhum objeto em particular, não conhece objetos, e, por isso mesmo, não encontra um cabide onde se dependurar. Nessa perspectiva, ela se distingue do medo ou do presságio, justamente por nos colocar diante de quem somos – Self de novo. O que a angustia nos mostra é a possibilidade da nossa possibilidade. Note-se que aqui não se trata mais das expectativas que são depositadas sobre nós por quem quer que seja – em especial por nós mesmos - mas de nosso potencial mais autêntico.
A angustia é percebida e vivida no momento presente, no agora. É um páthos que pode nos mortificar ou nos salvar. E como qualquer outra manifestação patológica, se não for tratada, se repete.
Nietzsche gostava de falar sobre o “eterno retorno”, Freud chamava isso de repetição, Jung de destino, por ai vai... Todos nós sabemos intuitivamente o que isso significa. Aqui e acolá nos percebemos repetindo a mesma cena, mesmo que os atores sejam diferentes. Isto é, dependendo de como vivemos essa repetição no aqui e no agora, ela pode nos parecer uma maldição, onde nos vemos como um mero joguete das forças da natureza, das forças da história, da sociedade, da família, etc. Não faltarão culpados pro nosso ressentimento. Mas a angustia também pode tomar outra forma. A de uma oportunidade. Uma chance de tomarmos consciência de quem somos realmente, com todos os nossos defeitos e virtudes, com todos os nossos limites e potencias, de nossa verdadeira natureza, enfim. Aqui não se está mais falando de maldição, de uma repetição patológica que nos foi imposta pela sociedade, pela natureza, família, etc. Não é mais nosso destino que nos condiciona e nos determina nos escravizando, mas a chance de assumirmos a condição de cocheiro de nossa própria carruagem, tomando posse de nós mesmos. É a isso que nos conclama a repetição. E isso é tudo!
Pra finalizar, importante destacar que reassumir a condução de nossa própria existência passa, necessariamente, por nos depararmos com nossas verdades: “Conheceis a verdade e a verdade vos libertará.”
José Sanchez
Psicólogo, Psicanalista e Empreendedor
Bastante oportuno e como você comentou...."re-assumir a condução de nossa própria existência passa, necessariamente, por nos depararmos com nossas verdades: “Conheceis a verdade e a verdade vos libertará.”" ....a busca da nossa verdade será sempre uma necessidade e exigirá de nós, além de assumir o leme, muito equilíbrio.
Obrigado por compartilhar essa reflexão.