Esperei passar a felicidade das fotos postadas no dia das crianças. Fotos amareladas, preto e branco, coloridas, rasgadas, antigas e mais recentes, quase todas com seus sorrisos angelicais. Quando deixamos de ser crianças e nos tornamos adultos? Quando deixamos de ser a criança e somos os pais? Quando deixamos de ser a vitima para sermos os algozes?
Com uma triste recorrência escuto de crianças quase adolescentes, e de adultos que falam da sua criança, que quase todos eram felizes com seus corpos, com sua forma e seu peso corporal, na verdade nem sabiam exatamente o peso do peso. São lembranças fatiadas, ouvidas por um ouvido infantil, uma imaturidade para compreender assuntos adultos sem sentido, sacríficos doloridos demais, comparações cruéis, ameaças constantes, trocas injustas. Pra mim não fazia sentido aquela dieta, não sei porque tinha que ir a médicos com minha mãe, não sei porque meu pai me dizia ser incompetente por causa do meu peso, dizia ele, empresas não contratam pessoas gordas. Quanto mais arroz no prato, mais gorda me sinto. Sempre tive a sensação de que o meu corpo era publico, todos podiam ver, chegar, olhar e opinar. sempre estava a mercê de olhares familiares.
Escutaram tantos nãos, sem saber o porque. Que hoje só sabem dizer sim, sem saber dizer não. Hoje esse corpo briga por liberdade que abriga uma alma encarcerada nas dores da restrição e culpa. Se acham incompetentes, fracos, nojentos, desmerecedores de qualquer alento, por não terem a capacidade de serem magros, porque falham ao querer comer. Não tenho competência nem para ter um transtorno alimentar. E quantas dessas batalhas, se iniciaram em cima de uma balança de um consultório medico, de um pediatra, ginecologista, endocrinologista, cardiologista e principalmente de um nutricionista. Quem deveria mais uma vez te acolher, entender, orientar, teve como conduta sinalizar que seu peso poderia te matar, estava acima do peso, ou se você realmente quer, pode perder mais um pouquinho, seu peso esta normal, mas seu % de gordura, pode melhorar. E mais uma vez a culpa era toda sua, sem forças para lutar, seu corpo não estava agradando. Não lembro de quando meu corpo ocupou um espaço que era meu, ele se tornou mais importante que eu aos olhos dos meus pais. Eu já não existia mais, eu não era mais eu, eu representava um numero na balança. Eu não podia ser feliz, somente os magros são capazes de serem felizes e amados. Preocupado com meu futuro? Me deixe ser feliz hoje assim com certeza terei mais chances de ser feliz amanhã. Quando foi que não pude mais brincar de balançar o meu corpo no balanço, que ele, meu corpo não tinha mais o direito de brincar, de ser livre com o vento? Porque quanto mais gordo eu me acho, mais burro fico?
Porque meu primos podem tomar o sorvete e eu tenho que me contentar com a fruta? Hoje odeio fruta. Tem certeza que você vai comer batata frita? Porque não come o hambúrguer sem o pão? A sua irmã pode, ela é magra! Você vai ficar igualzinha a sua tia Maria, gorda e solteira. Essa roupa não fica bem em você, parece uma mortadela amarrada na cintura. Você precisa se cuidar, puxou a família do seu pai.
Como diz o ditado, quem ama cuida, não descuida. Quem ama protege. Quem ama o que faz, não acusa e delega culpa, trata! Deixemos nossas crianças serem crianças, com seus corpos livres, leves e soltos, só assim aprenderão a ser quem elas querem ser. Que nosso peso, não seja um fardo. Que ele nunca seja mais importante que nós, como pessoas. Que possamos contar nossa história.
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