
Onde está meu nicho? Dizem que preciso ter um. Onde estão as pessoas que se identificam comigo. Com a minha voz, com a minha fala, com as minhas referências alimentares.
Fui dormir pensando nisso ontem à noite.
Não, eu não tenho fórmulas mágicas, nem poções encantadas, nem chás, nem receitas fit, pudim de chia, brigadeiro falso, pão de queijo sem queijo, amo couve flor, mas nunca comi arroz de couve flor e nem macarrão de pupunha. Sou formada há 28ª estou quase perto dos 60 anos.
Meu nicho deveria ser mulheres no período da menopausa? Mas o que faço com todos os ensinamentos do meu corpo, quando passei pelos 20, 30, 40, 50? Com todas as mudanças no meu corpo, no meu humor, no meu cabelo, no meu rosto, queria poder dizer como enfrentei e ainda enfrento a vida de frente. A vida como ela é. As rugas como são.
Meu nicho deveria ser adolescentes? Mas eu também adoro trabalhar com quem acabou de sair da adolescência, e ainda não sabe ser adulto. Que com seu primeiro vale refeição compra o que quer, onde quer. Sentindo no peito aquele aperto de orgulho e medo, sua vida está por conta e risco. O primeiro emprego, desafios diferentes, tempo de menos para supérfluos da vida. Tudo é intenso, a necessidade de brilhar e viver a vida loucamente. A liberdade tão sonhada, mas tão ameaçadora também. Adoro trabalhar com quem foi morar sozinho e não sabe cozinhar além de um miojo.
Por isso digo as mães que me trazem seus filhos e filhas de 11anos com mais idade ou menos, e querem que eles se sentem a minha frente e se responsabilizem pelos tratos comigo, pelos combinados, sem eles fazerem o supermercado, sem terem acesso ao cardápio da casa, sem cozinharem e nem pedirem Ifood. Como se eles fossem capazes de enfrentar as escolhas alimentares sozinhos, sem direcionamento, sem pegar na mão, sem dedicação, sem tentativas, sem erros e acertos, sem exemplos, sem histórias contadas ao redor da mesa, sem gargalhadas, sem trabalho, sem planejamento, sem encontros marcados, sem a mesa vestida para nossa melhor visita, eles devem ser tratados como nossa melhor visita. Porque um dia serão somente visitas a nossa mesa. Quanto e como queremos aproveitar todas as fases dessa partilha? Da mesa suja, dos babeiros manchados de feijão, da comida que vai e volta, da comida no chão, do uso de garfo e faca, das recusas alimentares, do café da manhã no carro, dos almoços na escola, e por fim os jantares com amigos. Assim eles crescem e se vão. Como em um sopro. E quando você se dá conta, está cozinhando somente para você, comprando quantidades menores de comida, porque já não existe a demanda tão exigida de outrora.
Vale a pena sujar panela, sujar fogão, fazer um bolo para 1 ou 2 pessoas?
Então sendo assim deveria trabalhar com idosos? Que perdem o encanto, perdem o apetite, não querem mais mastigar, o olfato já não diz que o cheiro do café está no ar, não colocam mais a mesa, e voltam para o miojo do adolescente. Não tem mais a destreza da mão segurando a faca ao picar o tomate. Resgatar esse prazer, esse cuidado como uma motivação, como uma nova finalidade. Mostrar que a dignidade de se honrar a vida é um compromisso de cada um, e ela certamente passa pela alimentação. Trazer um novo olhar através de uma fatia de bolo. Resgatar familiares distantes para uma xicara de chá.
E os recém enamorados? Que acabaram de juntar pratos e talheres e estão tentando juntos descobrir como será planejar, comprar, fazer, picar, guardar, preparar suas refeições.
Quando juntamos as suas e as minhas referências alimentares. Qual prevalece? A mais saudável ou a mais fácil?
Quando se vai ao super mercado e se compra as preferências de cada um da família, mas não compra o que você gosta porque não é assim tão importante. O que era um agrado vira uma rotina, mas ninguém compra o que você gosta, porque você mesma nunca deu importância para o que você gostava. Ninguém pode te fazer um agrado, fazer seu prato preferido, você nunca colocou ele na mesa.
Meus filhos sabem quais as minhas comidas preferidas, porque eu sei exatamente quais são as deles. Aqui em casa nos falamos através da comida. Nossa linguagem é perfeita!
Comida é historia, é relacionamento, é gratidão, é companheirismo, prato na mesa é família. Mesmo que seja mesa pra um.
Sendo assim, descobri que meu nicho é gente, mesmo que eu não tenha tantos seguidores, mesmo que eu não tenha tantos likes, mesmo que eu não tenha quem leia meus textões, mesmo que eu não tenha um nicho pra chamar de meu.
Ainda não consigo abrir mão de todas as gentes que moram em cada um dos nichos, Prefiro seguir assim, gente de todos os nichos de todas as tribos. Porque afinal todos buscam a tão sonhada alimentação saudável, um corpo melhor, exames de sangue dentro das referências, iniciar uma atividade física, porque estão grávidos, porque, estão com espinhas, porque o intestino não funciona, ou porque funciona demais, porque quer mudar o paladar infantil, porque tem um transtorno alimentar, meus pacientes de TA, sou loucamente apaixonada por eles,tem os com e sem glúten, com e sem lactose, os veganos, os vegetarianos, os jejueiros de plantão, os low carb, enfim são tantas emoções nas conversas com meus pacientes que não consigo escolher.
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